Até hoje eu não sei muito bem como explicar como isso aconteceu. Nunca tive
um lado "sensitivo" muito forte. Nunca senti coisas estranhas, ou vi coisas que
não podia explicar. Para falar a verdade sempre fui muito racional, sempre tinha
uma explicação mais científica para coisas estranhas. Eu sempre fui a mais
cética do meu grupo de amigos. Sempre que alguém tinha uma história mais
fantástica eu sempre queria analisar de um modo mais racional.
O que aconteceu foi o seguinte. O irmão de uma amiga minha teve um acidente feio
de moto e acabou não resistindo aos ferimentos e morreu. Ela me ligou arrasada
no meio da noite para falar o que tinha acontecido e falar onde ia ser o
velório. Eu me arrumei e fui ao encontro dela para tentar ajudar em qualquer
coisa que eu pudesse. O velório era no hospital onde tinham levado ele logo após
o acidente.
Quando cheguei lá fui onde ficava o velório. Tinham três "salinhas" para velório
lá. Em uma dessas salinhas estava a família da minha amiga com o corpo do irmão
dela. Tinha um outro velório em uma outra das salas e a terceira estava vazia.
Eu fui ao encontro da minha amiga para tentar confortar ela de qualquer jeito
que eu pudesse. Ela não parava de chorar. Isso era de madrugada ainda, umas
3:00. O enterro seria às 13:00.
Eu passei o tempo todo do lado dela, conversando com ela. Quando deu umas 8:00
alguns dos nossos amigos chegaram, e como eu estava com fome pedi para um amigo
nosso ficar com ela enquanto eu ia comprar alguma coisa para comer em uma
padaria que tinha lá do lado. Eu comprei duas coxinhas e um refrigerante, mas
como a padaria estava cheia e não tinha onde me sentar, eu resolvi voltar para o
velório e comer lá. Mas como eu achei que seria uma falta de respeito ir comer
lá dentro onde estavam velando o corpo do irmão da minha amiga, eu fiquei em um
canto isolado, perto da sala que estava vazia. Me sentei em um banco lá e
comecei a comer.
Depois de um tempo eu olhei para dentro da sala vazia e vi um garotinho sentado
em uma cadeira lá no fundo no canto. Na hora eu pensei "que tipo de pessoa traz
uma criança para um velório?" O garoto parecia ter uns 9-10 anos. Estava quieto
e encolhido. Eu olhei em volta e não tinha mais ninguém lá. Não era ninguém que
eu conhecia, eu não tinha idéia se era de algum conhecido da minha amiga ou se
era de alguém do outro velório. Quando ele notou que eu tinha visto ele, ele
começou a olhar para mim. Eu imaginei que ele tinha visto a coxinha na minha mão
e que devia estar com fome, então eu estendi ela na direção dele, mas ele não se
mexeu. Eu levantei fui até lá e me sentei do lado dele. Eu perguntei se ele
estava com fome, se queria uma das coxinhas. Ele só virou a cabeça e olhou para
o chão. Eu perguntei se ele estava com sede e ofereci o refrigerante, mas ele
não se mexeu. Eu coloquei uma das coxinhas na cadeira do lado dele junto com o
refrigerante e falei que se ele quisesse era só pegar, mas ele só ficava olhando
para o chão. Eu perguntei o nome dele, mas ele não respondeu nada. Eu só ficava
pensando que era uma coisa muito cruel levar uma criança para um velório. Depois
de tentar conversar um pouco com ele eu imaginei que ele devia estar muito
triste para ficar conversando, por isso tinha ido para lá, para ficar sozinho, e
que a ultima coisa que ele queria era ficar falando com uma estranha. Então eu
levantei, mas deixei a outra coxinha e o refrigerante lá e falei que se ele
quisesse podia comer, e voltei para perto da minha amiga.
Quando eu cheguei lá mais alguns dos nossos amigos tinham chegado. A gente tem
uma amiga nossa que é mio sem noção às vezes, ela queria por que queria ir ver o
outro velório, ver quem estava lá, mas não queria ir sozinha. Só que ninguém
queria ir com ela ficar xeretando esse tipo de coisa, o que eu realmente
concordo que não é uma atitude respeitosa. Mas ela estava cutucando tanto o
pessoal que eu resolvi ir com ela antes que ela chateasse mais ainda a nossa
amiga que tinha perdido o irmão.
Nós duas entramos lá e vimos que o caixão era pequeno. Quando chegamos perto, eu
levei um susto e tive que me segurar para não gritar. Quem estava dentro do
caixão, era o garotinho que eu estava conversando! Eu senti um arrepio subindo a
minha espinha e puxei a minha amiga para fora, falei que não era uma boa idéia
ficar indo xeretar o velório dos outros. Claro que eu não falei nada para
ninguém, afinal eu imaginei que ninguém ia acreditar e que iam pensar que era
uma brincadeira de muito mau gosto. Eu fui até onde garotinho estava sentado
antes, mas não tinha mais ninguém lá! Só a coxinha e a latinha de refrigerante
que eu tinha deixado, ainda intocados!
Eu joguei eles fora e fiquei imaginando como aquilo podia ter acontecido. Como
sempre tentei raciocinar sobre o que tinha acontecido, então imaginei que aquele
devia ser o irmão gêmeo do garotinho que tinha morrido, mas depois de um tempo,
a minha amiga xereta foi ver o que tinha acontecido com o garotinho do velório.
Ele tinha alguma doença no coração que acabou sendo fatal para ele. E o pior de
tudo é que falaram que a família estava devastada, já que ele era filho único!
Não tinha irmão nenhum!
Sempre que eu lembro disso, todos os pêlos do meu braço se arrepiam. Será que o
que eu vi era o espírito do garotinho que tinha morrido? Se sim, por que ele
apareceu para mim, uma estranha? E justo eu que não acredito nesse tipo de
coisa...
Clarissa - São Paulo - S.P.